A Apresentação

A hora é agora. Não é mais possível voltar atrás. Os convidados já ocupam seus lugares. A promotora da apresentação já discursou. Algumas palavras foram ditas pela diretora artística. A apresentação vai ter que começar. Piano e percussão criam o ambiente tocando a primeira parte da música. Eu entro no palco e fico, ao lado, esperando o momento de iniciar o canto. O momento chega e eu ressoo os primeiros versos. O frio normal da barriga acontece e eu o recebo com consciência, focando na mensagem, na técnica e na postura de “bom gosto”, sorriso nos olhos, que precisam estar presentes desde o primeiro instante. Coisas que eu aprendi nos três meses que duraram os ensaios, mas também nos anos afora de aulas e das poucas apresentações feitas. Mas o fundamental, e eu sabia, era degustar o privilégio que o momento proporcionava. Era importante que as pessoas sentissem o prazer que eu estava tendo ao cantar, por maior que fosse a responsabilidade que a satisfação da expectativa impunha. Responsabilidade que assombrou quase toda a minha preparação. E que atacou os nervos até os momentos iniciais do show. E provavelmente, pelo que falou depois a nossa diretora, ele tenha estado presente durante toda a apresentação. Esse jogo entre os nervos e a tentativa de domá-los e controlá-los é o cotidiano do artista, pelo que andei observando. E a tensão pré-estreia existe sempre, mesmo entre artistas experientes.

Agradeci os aplausos, a presença das quase cinquenta pessoas presentes no teatro e falei do roteiro da apresentação: o ciclo do amor: o flerte, o namoro, a convivência, os desencontros e o rompimento, o apelo à volta e a volta. Convidei ao palco a cantora com quem faria dueto e fomos à segunda canção. A interpretação, entonação e gesticulação mesmo que comedida, sempre na presença de técnica, do “bom gosto” e da exteriorização do saborear o que se estava fazendo, iria levar à postura dos personagens e aos sentidos das mensagens contidos na letra. Fizemos o que nos propomos a fazer, cuidando do movimento no palco, a interação entre nós e com o público. O contar a história, presente em cada canção, dramatizando-a, exige a inclusão dos personagens e dos ouvintes. A plateia não pode ficar distante, ausente, senão sente-se marginalizada, abandonada. E, sempre que possível, pode ser estimulada a participar junto, seja ouvindo intimidades, tomando conhecimento de fatos de bastidores, seja cantando junto. E aí permanece atenta, assim como ficamos quando assistimos bons filmes ou escutamos narrativas bem contadas. Atento o público ficou até o fim do show e, observei, mesmo após o fim do espetáculo. Parecia que queria mais. Fomos cumprimentados e recebemos elogios. Não só dos amigos.

Mas nem tudo são flores. Quase sempre o realizado não se concretiza tal e qual foi planejado. Diferenças postas como pontos a melhorar ficam claras ao se assistir o vídeo da apresentação. Ou quando o crítico se pronuncia. E ele ou ela, afinal, está aí para isso mesmo: para pôr o dedo na ferida, para apontar os erros, as falhas. Canção por canção se critica: ou que se entrou antes, ou que se atrasou, ou que se correu demais ou de menos, ou que faltou articulação, projeção, ou que a pronuncia dessa ou daquela vogal foi destacada demais ou de menos, ou de que não se observou o pulso, ou de que se falou demais, ou desafinou, ou de que a sincronização deixou de acontecer de maneira harmoniosa, ou de que o movimento no palco poderia ser mais lento, mais rápido, mais silencioso, ou de que o olhar para o público poderia ser mais frequente, menos intenso, ou de que o comprometimento com a mensagem deixou de existir, ou não houve o diálogo do cantor com os músicos do jeito certo, ou finalmente, de que a coisa poderia ser menos nervosa. E lista de erros e falhas postas pela crítica cresce a tal ponto que se tem a impressão de que nada de positivo sobrou. De que as manifestações e os aplausos dos presentes são suspeitos ou inocentes, pouco técnicos para observar o que está na cara, ou de que os elogios recebidos por escrito não merecem credibilidade. Chega-se à conclusão de que cantar não é nossa praia, de que o nosso negócio é outro, de que o melhor mesmo é procurar outra coisa pra fazer na vida. Ainda bem que essas coisas não são ditas dessa forma. E que se pode aceitar que a lista é mesmo de pontos a melhorar. E lhe dar boas vindas porque, caso ela não fosse feita, poder-se-ia deitar na cama ilusória dos afagos. Melhor ter-se a consciência do caminho a percorrer, ainda que ele seja duro e cheio de pedras, do que viver alienado, no mundo da lua. É fundamental, essencial mesmo, entender que a apresentação virtuosa ainda merece ser perseguida. Pode ser alcançada. E de que, apesar do arrazoado, o progresso feito até hoje, desde o dia em que se iniciou a jornada, foi grande. Entrar no palco e agradar ao público em mais de uma hora de performance não é pouca coisa. Suficiente para se ter a confiança de que é possível encarar os desafios e vencê-los. Um de cada vez.

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